segunda-feira, dezembro 13, 2004

Extremos



Uma das maiores críticas que tenho a apontar ao futebol que o Benfica pratica hoje em dia é a quase ausência de extremos, pelo menos considerando o que é um extremo clássico.

Confesso, sou adepto de um jogo com extremos. Normalmente, são os jogadores mais habilidosos da equipa, aqueles de quem se espera o inesperado. Acho que o futebol, idealmente, deve ser jogado a toda a largura do campo, com variações frequentes de flancos. Um jogo 'largo' obriga a equipa adversária a estender mais os defensores, e a afastar jogadores da frente da baliza. Quando se tenta entrar pelo meio, a bola está mais perto de mais jogadores, e é sempre mais fácil aparecer alguém para fazer uma dobra, ou para esticar a perna para fazer um corte. Pelo contrário, quando um extremo progride com a bola junto à linha, normalmente consegue situações de 1x1 com o lateral adversário. Caso o consiga bater, o mais natural é que saia um jogador do centro (muitas vezes o central) para vir fazer a dobra. Isto abre espaços extra para os avançados, ou para as entradas de médios. Para além de que uma bola centrada junto da linha de fundo apanha os avançados de frente para a baliza, com a bola à sua frente. A utilização de extremos permite ainda limitar muito a acção ofensiva dos laterais adversários, porque estes passam a ter preocupações extra caso percam a bola numa subida ao meio-campo adversário.


Mas aparentemente os extremos estão a cair em desuso. O mal não é só do Benfica, parece ser geral no nosso futebol. Os nossos vizinhos da 2ª Circular não têm sequer um único extremo de raíz no plantel, enquanto que nos rivais do norte os dois extremos que têm (Quaresma e Peixoto) são mal-amados pelo treinador, que raramente lhes entrega a titularidade. Este mal parece ter começado há uns anos, quando alguma luminária teve a brilhante inovação táctica de trocar os extremos de lados durante um jogo (isto hoje em dia parece ser um fenómeno muito típico da escola de treinadores lusitana). Para quê? Bem, isto permite ao jogador 'flectir para o interior do terreno', para assim usar o seu pé mais forte para chutar à baliza. Claro que o pormenor de o centro do terreno ser a zona mais povoada do campo, onde um jogador habilidoso tem muito menos espaço e tempo para tirar partido da técnica, que é o seu maior trunfo, parece passar despercebido aos nossos treinadores. Agora já quase nem é preciso pôr o extremo a jogar do lado contrário, porque na maioria das vezes eles nem jogam, ou quando jogam parecem ter uma estranha atracção pelo interior do terreno, e consequente repulsa pelas linhas laterais.



Passando ao caso específico do Benfica. Temos dois extremos puros no plantel: o Simão, e o Carlitos. O Carlitos tem estado lesionado praticamente desde o início da época, por isso não posso falar muito dele. Mas quanto ao Simão, ele de forma alguma joga como extremo. São raríssimas as vezes em que ele ataca a linha de fundo, para daí centrar a bola. Quase invariavelmente, ele acaba por flectir para o centro, e tornar-se mais um avançado. Este ano o Benfica até ganhou algum poder no jogo aéreo, com a entrada do Karadas. Porque razão passamos jogos inteiros sem fazer uma jogada em que o extremo vai à linha centrar para os avançados? Do lado direito é a mesma coisa. O Geovanni passa os jogos perdido algures no centro do terreno, esquecendo-se daquelas que deveriam ser as suas funções originais. Dói-me ver aquelas zonas do campo junto às linhas laterais da grande área praticamente ao abandono durante os nossos jogos.

Será que é coincidência que a qualidade de jogo do Benfica sofra tanto com a ausência do Miguel? Não me parece. A verdade é que o Miguel (um extremo convertido a lateral-direito) é dos poucos jogadores que exploram as faixas laterais, e ataca com vontade a linha de fundo. O que eu vejo na maioria dos casos é que os adversários do Benfica 'dão' a lateral aos nossos jogadores, que mesmo com o caminho aberto para a linha de fundo preferem começar imediatamente a fazer a diagonal para o centro, em velocidade mais reduzida porque aí há muito mais oposição. O Miguel é a excepção. Aproveita o caminho livre para ir rapidamente à linha de fundo, e por isso parece jogar a uma rotação mais elevada do que o resto da equipa.



Um exemplo mais concreto, passado ontem no descalabro do Restelo. Aos 74 minutos o Carlitos entrou em campo. Imediatamente colocou-se no seu lugar natural, encostado à lateral direita. Um minuto depois recebeu a bola, foi até à linha de fundo, centrou e o Sokota marcou um golo fácil. Simples, não? Aparentemente não, porque logo depois o Trapattoni correu com ele para o flanco esquerdo, por troca com o Simão. Em teoria, porque na prática o que aconteceu foi que o Benfica ficou com três jogadores à deriva (Carlitos, Simão, e Geovanni), que pareciam não saber a sua posição em campo. Todos corriam para o centro, e perseguiam a bola como se de um vulgar jogo entre solteiros e casados se tratasse. Eu não consigo compreender a não exploração dos flancos por uma equipa como o Benfica, que joga quase sempre contra adversários que se fecham na defesa. Jogar contra equipas destas tentando entrar pelo centro, e despejando bolas compridas para a área é apenas dar mais trunfos ao adversário.

1 Comments:

At 1/08/2005 7:28 da manhã, Blogger Quetzal Guzman said...

Eu não sou contra a troca de posição dos extremos. Basta ver o caso do Duff do Chelsea. Jogando pela direita torna-se um jogador bem mais letal. Mourinho garante assim finalização pelo lado direito e criatividade pela esuqerda com o Robben.
O problema do Simão passa pelos pés. Não sendo canhoto é natural que a tenda para fazer a diagonal para o interior/entrada da área. Aliás, a par do nº10, a principal lacuna do Benfica é a ausência de um extremo canhoto.

 

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