Serenata
Foi debaixo de um autêntico dilúvio que o Benfica decidiu presentear-nos com uma espécie de serenata à chuva, que incluiu um recital a solo do Jonas, e esmagar o Marítimo por cinco golos sem resposta mesmo sem ter jogado sempre com o prego a fundo.
A repetição do onze titular tem sido uma constante nas últimas jornadas, e um sintoma da estabilidade que a equipa construiu. Por isso já nem é necessário ouvir a constituição da equipa para saber quem vai jogar. O mau tempo que se fez sentir durante quase todo o dia e em especial à hora do jogo podia ser mais um adversário a ter em conta. O relvado da Luz é bom e aguenta muito mas há limites, e gostando esta equipa de jogar um futebol rápido e de trocas constantes de bola, um terreno mais pesado em teoria não seria o ideal. O período inicial do jogo nem sequer fazia antever uma vitória tão folgada. Não custa nada admitir que durante o primeiro quarto de hora o Marítimo - que teve a esperteza saloia de nos pôr a atacar para a baliza grande na primeira parte - em nada foi inferior ao Benfica, e teve até algum ascendente no jogo. Tentaram jogar com uma linha de pressão bastante alta, a condicionar a nossa saída de bola, e causaram-nos dificuldades. O Benfica tem tido no lado esquerdo e em especial quando o Grimaldo, o Zivkovic e o Cervi começam a trocar a bola entre eles um dos factores mais desequilibradores dos últimos jogos, mas durante esta fase tentávamos sobretudo atacar pelo lado direito, provavelmente porque o Marítimo estava avisado e vigiava de perto as subidas do Grimaldo e as movimentações do Zivkovic. Mas quando se tem na frente um jogador como o Jonas, às vezes basta meia oportunidade para começar a resolver uma tarefa que se prevê complicada. Bastou aos dezasseis minutos uma bola solta na área resultante de uma intervenção em esforço do André Almeida junto da linha de fundo para que o Jonas rematasse de primeira e fizesse o primeiro golo, e a partir daqui começou a escrever-se uma história completamente diferente neste jogo.
Até porque seis minutos depois o lado esquerdo funcionou e uma combinação entre o Zivkovic e o Grimaldo deixou o espanhol sozinho em frente ao guarda-redes para uma finalização com classe. E este foi para mim o momento em que o jogo virou por completo. Ao ver-se a perder por dois golos com apenas vinte e dois minutos decorridos o Marítimo assustou-se, esqueceu-se por completo daquilo que tinha feito bem na fase inicial e recuou as linhas para junto da área, parecendo ter pressentido que uma goleada estava iminente. Mas hoje o Benfica estava em dia de se redimir de jogos onde a finalização esteve menos inspirada, e com o Jonas a jogar desta forma de pouco serve recuar linhas e jogar pelo seguro. Ele não precisa de quase nada para inventar um golo, como o comprovou aos trinta e cinco minutos. É daqueles golos que qualquer descrição que eu tente fazer não lhe faz justiça: é preciso vê-lo. Cruzamento largo do André Almeida para a área e o Jonas, apesar de estar atrás do defesa, consegue chegar com o pé à bola antes para lhe dar um toque de primeira que a fez passar sobre o guarda-redes, tocar na barra e entrar na baliza. Certamente um dos melhores golos desta liga. E o livro ainda não estava fechado na primeira parte, porque pouco antes do intervalo uma tabela entre o Jonas e o Rafa acabou com este a ser derrubado dentro da área. Penálti claro, e expectativa para ver se o Jonas interrompia a série negra de três penáltis seguidos falhados (Rio Ave, para a taça, Belenenses e Boavista). Problema resolvido com mestria, porque nem com asas o guarda-redes chegaria à bola, que foi rematada para o ângulo superior direito da baliza. Quatro golos em quarenta e cinco minutos e um jogo competentemente resolvido com rapidez, o que era conveniente quando a chuva não dava sinal de querer abrandar e o terreno ia ficando cada vez mais difícil.
A segunda parte foi naturalmente de gestão de esforço, feito com posse de bola. Era evidente que com mais golo ou menos golo, o Benfica iria vencer este jogo. O Marítimo não estava interessado em apanhar uma goleada histórica e o Benfica não estava interessado em despender demasiados esforços à procura de mais golos. E tudo ficou ainda mais definitivo quando o Marítimo, ainda antes de findo o primeiro quarto de hora, se viu reduzido a dez jogadores. Mérito para a actuação do VAR neste lance, que alertou o árbitro para a entrada brutal do Gamboa sobre o Zivkovic - pitons em riste ao joelho do pequeno maestro do nosso meio campo. Apesar do terreno não ser propício a grandes toques artísticos, a equipa do Benfica pareceu procurar divertir-se a jogar futebol e a tentar construir lances bonitos. O Cervi e o Zivkovic dão uma dinâmica impressionante ao nosso jogo ofensivo, e à medida que o Rafa vai ganhando confiança começa a entrar também neste carrossel, onde os jogadores surgem um pouco por toda a zona de ataque de forma imprevisível. A vitória estava tão assegurada que foi possível o luxo de dar descanso a jogadores imprescindíveis como o Fejsa ou o André Almeida - entrou o Douglas para o lugar dele, que já não víamos jogar há bastante tempo. Não deu para avolumar muito o resultado, porque o Marítimo parecia fazer ponto de honra em não sofrer mais golos e a chuva continuava a não abrandar, mas o único golo que marcámos valeu bem a pena. A nove minutos do final mais um golaço de levantar o estádio, da autoria do Zivkovic. Na esquerda e já dentro da área evitou um defesa puxando a bola do pé esquerdo para o direito, e depois com o seu pé menos forte colocou a bola em arco no ângulo do lado oposto, com o guarda-redes a não poder fazer mais do que ficar a ver a bola a entrar. Golo mais do que merecido para um jogador que voltou a fazer uma grande exibição. Pena, pena, só mesmo que o Cervi não tenha conseguido acertar com a baliza para fazer o sexto golo já perto do final, a culminar uma jogada que envolveu trocas sucessivas de bola entre vários jogadores, incluindo dois toques de calcanhar.
Não há forma de evitar considerar o Jonas o homem do jogo. Absolutamente decisivo e letal. O seu segundo golo (terceiro do Benfica) é uma obra de arte apenas ao alcance de jogadores especiais. Mesmo o primeiro golo, que começou a resolver a questão, é muito bom, quer pelo repentismo do remate, quer pela colocação do mesmo (a bola entrou bem junto do poste). Na vertente qualidade/preço, é provavelmente a melhor contratação do Benfica das últimas décadas e é um privilégio poder continuar a ver este jogador com a noss camisola. O Fejsa é outro dos destaques, e para mim um dos jogadores mais fundamentais deste Benfica. Merecida a ovação de pé quando foi substituído. Menção também para o Zivkovic. Sou suspeito para falar sobre ele, porque confesso que sempre tive uma predilecção especial pelo futebol deste jogador. Não vou cometer a injustiça de dizer que o Benfica ficou a ganhar com a troca do Krovinovic por ele (para mim jogavam os dois) mas se perdemos algumas coisas com a lesão do Krovinovic, ganhámos outras com a entrada do Zivkovic para aquela posição. Tem sabido aproveitar a oportunidade para agarrar o lugar e está a tornar-se um jogador fundamental. Outro jogador que está a aproveitar a oportunidade e vai ganhando confiança a olhos vistos é o Rafa. Mais um jogo positivo e vai ganhando influência à medida que soma minutos nas pernas. Por último, uma referência (mais uma) ao André Almeida. Duvido que, por exemplo, consiga ir ao Mundial porque não é um jogador suficientemente mediático para isso; é humilde e nunca se coloca em bicos de pés. Mas nem posso reclamar dele ser injustiçado pela generalidade do público e imprensa quando somos muitos de nós, benfiquistas, os primeiros a injustiçá-lo. Não é um artista capaz de malabarismos com a bola, mas poucos fazem aquilo que têm que fazer com a eficácia que ele o faz. Soma sete assistências para golo e dois golos marcados no campeonato, ao mesmo tempo que continua a ser um dos mais competentes defesas dos principais campeonatos europeus (a sério, quem não acreditar que vá ver as estatísticas). Para mim é imprescidível nesta equipa, e a assistência para o primeiro golo diz tudo sobre a forma como encara cada lance.
Mais uma vitória, mais uma goleada, mais uma exibição a reforçar os níveis de confiança da equipa e adeptos. Não se afigura fácil o caminho para o penta, mas vamos lutar por ele com todas as nossas forças. O fundamental é continuar neste caminho e manter a pressão, para que à menor escorregadela do líder possamos voltar a depender exclusivamente de nós próprios.
1 Comments:
A analise esta com a qualidade que nos tens habituado.
É compreensível que, principalmente por causa do estado do tempo que condicionou o estado do relvado, a equipa tenha reduzido o ritmo na segunda parte mas foi pena a equipa não ter aproveitado para aumentar o marcador, principalmente após termos ficado com mais um em campo, até porque os jogadores mais desgastados e também já tinham saído é que nesta fase a diferença de golos é sempre uma coisa a considerar quando pode ser um factor decisivos nas contas finais.
Muito bem nas substituições não só porque fez descansar os jogadores com mais minutos ainda por cima num terreno que cada vez ai ficando mais pesado, que agrava sempre a situação, mas sobretudo permitindo os aplausos a jogadores que raramente tem essa oportunidade, porque raramente são substituídos, mas que viram com todo o mérito reconhecida a sua importância na equipa na hora da substituição.
A equipa deve sair sempre a jogar com a bola desde a sua retaguarda é esta a filosofia desta equipa, alias sempre foi esta a filosofia do nosso clube, mas andar a trocar bolas nas imediações da nossa área e algumas vezes de forma displicente com alguns jogadores a perderem de forma consecutiva a bola não é nada bom é que por vezes, não como regra, é preferível jogar doutra forma do que arriscar, principalmente quando não esta a resultar, e em situações idênticas optamos por outra maneira de sair a jogar ou podemos ter alguns dissabores é que nem sempre os nossos adversários definem mal como estes o fizeram.
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