Lindo
Não havia outro desfecho possível. Vinte e três anos depois, o Benfica está de regresso a uma final de uma competição europeia. Trinta anos depois, a oportunidade para tentarmos vencer uma competição que, para os benfiquistas da minha geração, representou a primeira grande desilusão no futebol europeu (o golo do Shéu ao Anderlecht é daquelas imagens que nunca mais se apagou da minha memória - do do Lozano nem me lembro). E não havia outro desfecho possível porque o Benfica é simplesmente muito superior ao Fenerbahçe, e esta noite, mesmo contra uma arbitragem desastrada, contra um destino injusto que o obrigou a ter que correr ainda mais do que seria naturalmente necessário, impôs a sua superioridade num Estádio da Luz que não encheu (55.000 espectadores) mas esteve lindo, lindo e foi praticamente um exemplar décimo segundo jogador.
Talvez uma única meia-surpresa na equipa titular, onde o André Almeida surgiu na posição de lateral esquerdo. De resto, o onze esperado, com a dupla Cardozo/Lima na frente de ataque e o Gaitán teoricamente na esquerda, mas com liberdade para surgir frequentemente na zona central. Havia uma desvantagem de um golo para recuperar, e mal o apito inicial soou o Benfica meteu mãos à obra. Pareceu desde logo evidente que a estratégia do Fenerbahçe passava simplesmente por defender a magra vantagem obtida na primeira mão, mas face à forte pressão que o Benfica imediatamente exerceu e o ataque constante, tal estratégia parecia inevitavelmente condenada ao insucesso. E isso verificou-se rapidamente: foram oito os minutos durante os quais os turcos conseguiram segurar o nulo. Foi esse o tempo que passou até que o Lima se escapasse pela direita, e da linha de fundo fizesse um passe atrasado para a entrada do Gaitán, que de trivela e toda a elegância do mundo fez a bola ir embater no poste mais distante antes de entrar na baliza. Até esse momento, creio que os turcos nem sequer tinham ainda passado do meio campo, enquanto que o Benfica, por aquilo que tinha feito até então, já conseguia justificar o golo. Com a eliminatória empatada, era tempo de partir para o segundo golo, coisa que o Benfica fez imediatamente, pois não abrandou o ritmo com que tinha iniciado o jogo. Mas aos vinte e dois minutos veio o golpe injusto que poderia ter deitado tudo a perder. Na primeira vez que o Fenerbahçe desceu à nossa área, e num lance em que deveria ter sido assinalado um fora-de-jogo, o Garay acabou por jogar a bola com a mão e do respectivo penálti o Kuyt empatou o jogo, deixando ao Benfica a obrigação de ter que marcar mais dois golos se queria seguir para a final.
A injustiça deste resultado era grande. Percebeu-o o Estádio da Luz, que respondeu ao golo turco com gritos de 'Benfica! Benfica!' a incentivar a equipa, e de certeza que o perceberam também os nossos jogadores, cientes da sua superioridade. Nestes últimos tempos parece que anda muita gente interessada em fazer passar a mensagem de que a nossa equipa está de rastos e já pouco mais aguenta, mas se aquilo que eu vi hoje é uma equipa de rastos então não imagino como será quando está em plena forma física. Poucos minutos após o golo do empate já o Benfica estava novamente em cima do adversário, que foi remetido para junto da sua área e parecia feliz por se poder dedicar ao seu plano inicial de defender a vantagem e pouco mais fazer. O Benfica voltou a ameaçar pelo Cardozo, pelo Lima, pelo Gaitán e passada uma dúzia de minutos já estava de novo em vantagem no marcador. Na marcação de um livre a meio do meio campo o Enzo descobriu o Cardozo solto à entrada da área e colocou rapidamente a bola em jogo, para depois o Tacuara, em mais uma demonstração de qualidade técnica (tem sido um fartote nesta Liga Europa), simular com o direito, passar para o esquerdo, e rematar rasteiro para o fundo da baliza. E agora já só faltava mais um golo, que até poderia ter surgido ainda antes do intervalo, pois o Benfica manteve-se ao ataque e muito perto do final da primeira parte, após uma grande jogada do nosso ataque, viu o remate final do Matic passar pouco ao lado do poste da baliza turca, com o Freddy Mercury turco que defendia as redes do Fenerbahçe pregado ao chão.
Não surgiu o merecido terceiro golo na primeira parte, mas havia muita esperança que surgisse na segunda, até porque nada se alterou no pendor do jogo. Ainda e sempre o Benfica em ataque constante, mesmo que não no ritmo frenético que chegou a apresentar durante a primeira parte, e o Fenerbahçe remetido ao seu meio campo, completamente inofensivo no ataque. Mais ameaças do Benfica, mais asneiras da equipa de arbitragem francesa, que olimpicamente ignorava tudo o que se passasse dentro ou nas imediações da área turca (é incompreensível como um puxão ao Cardozo quase sobre a linha limite da área passou em branco). A lesão grave de um jogador turco, atingido na face por um pontapé do Gaitán, serviu para os turcos respirarem e pareceu adormecer um pouco o Benfica por alguns minutos, mas depressa voltou à carga e com efeito decisivo, pois chegou mesmo ao desejado e merecido terceiro golo. Depois de uma sequência de jogadas de insistência do Benfica, com vários cruzamentos e a bola a teimar em não sair de perto da área turca, o Benfica teve um lançamento de linha lateral do lado direito. O Salvio lançou, a bola sobrou para o Luisão, e o remate do nosso capitão foi desviado por um defesa adversário, o que fez a bola sobrar para o Cardozo. Solto na área, o Tacuara fez o que melhor sabe: recebeu com um toque e com um segundo atirou a contar e colocou finalmente o Benfica, com toda a justiça, na frente da eliminatória. Só depois disto é que o Fenerbahçe tentou reagir, mas acabou por mostrar sobretudo que não tinha mesmo um plano alternativo ao de defender a vantagem com unhas e dentes. Apostou cada vez mais no chuveirinho para a nossa área, mas apenas num remate com muito pouco ângulo obrigou o Artur a algum trabalho, não tendo conseguido criar uma verdadeira ocasião de perigo. A sensação era a que seria mesmo o Benfica, se forçasse um pouco mais, a poder voltar a marcar, e até vimos os franceses a negarem-nos um possível penálti por uma mão dentro da área. O sofrimento durante os longos cinco minutos de compensação (justificados) deveu-se apenas ao natural receio de algum lance fortuito que pudesse provocar a injustiça da nossa eliminação, mas o tempo decorreu sem sobressaltos até à explosão final de alegria, com o 'Ser Benfiquista' cantado a plenos pulmões.
O Cardozo tem que ser o homem do jogo, porque cumpriu o seu papel de matador e por duas vezes colocou a bola no fundo da baliza. Mas ao nível dele estiveram muitos outros. O Matic voltou a encher o campo. Aparece em todo o lado, a recuperar bolas, a empurrar a equipa para a frente e a organizar jogadas de ataque. O Luisão esteve imperial na defesa, e matou quase todas as jogadas de ataque do Fenerbahçe mesmo antes delas começarem. O Enzo, príncipe do nosso meio campo, deu mais uma demonstração de garra e querer, aliadas à qualidade técnica e perfeita disciplina táctica. O Gaitán espalhou classe pelo relvado, e o André Almeida mostrou outra vez que cumpre sempre que é chamado, seja onde for que o mandem jogar. Não atacou muito, mas não permitiu grandes veleidades ao Kuyt.
O director d'A Bola escreveu no dia seguinte à nossa vitória nos Barreiros este editorial: "Acabou o jogo da Madeira e, apesar da grande festa benfiquista, logo se percebeu: não dá para muito mais. Nem sequer dará para esconder as dificuldades. O Benfica chega a este momento final e crucial da época preso por arames." Espero que tenha visto esta noite o quão presa por arames a nossa equipa está. Espero que tenha visto o quanto não dá para mais. A nossa época joga-se agora numa mão-cheia de jogos. É o que falta para o final; é o que nos separa da glória. Vamos pensar neles um a um, conforme o temos sabido fazer tão bem até agora. Está na altura de pensar no Estoril para, vencendo, darmos mais um passo de gigante rumo ao título, podendo depois aproveitar a rara oportunidade de ter quase uma semana para descansar até ao jogo seguinte.
P.S.- Já agora, para os contabilistas encartados: Uma final europeia - Check!
1 Comments:
A análise está uma vez mais com a qualidade que nos tens habituado.
Nova final e já é sina que mais uma vez o nosso lateral direito não vai poder estar presente por castigo no final ele era um dos jogadores mais emocionados com a passagem da equipa à final, alias ele era um dos que mais merecia estar presente por tudo o que tem feito, mas nesse momento nem sei se ele tinha presente que não irá estar na final.
Se fizermos uma comparação entre os percursos dos dois finalistas até ao momento rapidamente chegamos a conclusão que não tivemos um percurso fácil, alias sempre que chegamos a finais quase nunca tivemos percursos fáceis ou menos difíceis, foi conquistado muito a pulso como quase tem sido sempre exemplo disso é que vamos defrontar o vencedor da liga dos campeões em titulo.
Neste momento existe muita euforia, demasiada, principalmente dos sócios e adeptos mas que temo que esteja a passar ou que passe para os jogadores este jogo foi muito intenso muito desgastante fisicamente, foi notório em dois ou três jogadores, mas sobretudo psicologicamente onde o desgaste foi enorme neste momento decisivo da época é necessário que os jogadores mantenham a concentração e recuperem para o próximo jogo esta euforia em nada ajuda essa recuperação neste momento todo e qualquer apoio á equipa é bem vindo e necessário mas sempre sem euforia só assim é que poderemos atingir os nossos objectivos.
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