terça-feira, fevereiro 22, 2011

Fases

Há uma teoria que diz que o ser humano, quando confrontado com a morte, passa por cinco fases distintas: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Creio que esta noite, no Alvalixo, a lagartagem terá passado precisamente por estas mesmas fases quando confrontada com a superioridade inquestionável do Benfica sobre o seu clube - o que, bem vistas as coisas, será para a lagartagem de certa forma quase comparável à morte.

Fase um: Negação - Esta é a fase mais fácil de identificar. Afinal de contas, a enormíssima maioria da lagartagem passa quase toda a sua existência em negação. No mundo em que vivem - que, conforme já referimos diversas vezes, é povoado de fadas e unicórnios voadores, enquanto o whisky de malte jorra livremente de fontes - o sportém é um 'grande clube', dominador inquestionável do panorama nacional e internacional do corfebol e do aquatlo, e cuja equipa de futebol tem um plantel recheado de 'grandes valores', capazes de vencer qualquer equipa do mundo se jogarem 'à sportém' (ninguém conseguiu ainda descobrir o que é que isto significa, mas do ponto de vista de um observador externo julgo que andará próximo daquilo que o Grimi faz em campo). Só a negação explica que a lagartagem estivesse convencida que, de facto, tinha grandes possibilidades de vencer este jogo. Durante a semana andei a receber mensagens em que me prometiam ir 'tirar o título ao Benfica', entre outras pérolas. Mesmo quando o Benfica, praticamente na primeira jogada que fez no jogo, meteu o Coentrão, o Saviola e o Gaitán a trocar a bola por ali fora como se fosse tudo uma brincadeira até deixar o Gaitán isolado na cara do guarda-redes, a negação acabou, e aos dez minutos de jogo ainda recebia mensagens sobre um qualquer 'massacre' que estaria a decorrer no jogo. Era preciso algo mais violento, e o Salvio encarregou-se disso ao fim de quinze minutos. Aproveitando um corte defeituoso a um cruzamento largo do Gaitán, antecipou-se ao Grimi e bateu o Patrício com um remate rasteiro cruzado. O Grimi, quando já toda a equipa do Benfica festejava o golo junto à bandeirola de canto, conseguiu finalmente reagir ao lance e dar o primeiro passo em direcção à bola.

Fase dois: Raiva - Quando se levantou o véu da negação e a lagartagem se viu de repente, de forma brutal e sem anestesia, confrontada com a realidade da sua equipa, a reacção normal foi a raiva. E era o forcado sem sobrancelhas que não percebe nada daquilo (no início da época era melhor que o Jesus), o taberneiro do adjunto que é pior do que ele, o empregado do Chimarrão (Cristiano) que estava desempregado e agora é titular, o Cabeça de Cotonete que é uma besta (há um ano e meio andaram todos contentes aos saltos com ele enquanto cantavam 'E quem não salta é lampião'), os Maniches que são uma vergonha (é plural, porque continuo a não acreditar que seja só uma pessoa dentro daquela camisola; aquilo deve ser como aqueles números do circo em que não sei quantos palhaços se enfiam dentro de um Mini), e por aí em diante. Numa das bancadas a forma encontrada de descarregar a raiva era entrar num festival de bordoada com a polícia de choque - aposto que a Liga esta semana vai multar o Benfica por comportamento incorrecto do público, e vamos pagar mais do que o sportém. Enquanto se distribuía cacetada a rodos pela bancada, lá em baixo, no campo, o sportém tentava reagir ao golo recorrendo à táctica avançada de chutos para a frente, onde depois o Postiga se encarregava de finalizar todas as jogadas colocando-se de forma estratégica e sistemática em fora-de-jogo, esquecendo-se que já não joga pelos andrades, onde esse estratagema por diversas vezes dá frutos. Na bancada reencenavam-se agora as batalhas de Verdun, com avanços para cá e para lá entre os adeptos e a polícia de choque, mas sem ganhos significativos de terreno de parte a parte. Dentro do campo, reencenava-se um filme tantas vezes já visto: o Arturinho, piedoso, segurou ternamente o moribundo sportém nos seus braços, e diligentemente carregou-o para mais perto da área do Benfica, amarelando tudo o que era vermelho à primeira oportunidade, e apitando sempre que algum jogador vermelho se atrevia a meter o pé ou sequer encostar-se ao seu protegido. Não contente com isso, deu ainda um empurraozinho extra e expulsou o Sídnei com dois amarelos (o primeiro absolutamente patético) no intervalo de cinco minutos. Isto apaziguou a raiva da lagartagem por breves instantes.

Fase três: Negociação - Regressados do intervalo a perder apenas por um, e com mais um jogador em campo, a lagartagem volta, por breves instantes, a acreditar que ainda é possível safar-se desta. Fazem contas de cabeça e imaginam cenários do género 'Se marcarmos no primeiro quarto de hora...', ou 'Se entrar o Saleiro' (claro sinal de insanidade). O melhor que conseguiram foi uma iniciativa individual do Fernandez, que terminou com uma defesa brutal do Roberto (ele é mesmo mau, não é?), e uma cabeçada do Postiga ao lado, no único lance em que não foi apanhado em fora-de-jogo e onde tirou partido do Benfica estar momentaneamente reduzido a nove, já que o Jardel (tinha entrado ao intervalo para o lugar do Saviola) estava de fora a ser assistido. Cinco minutos depois (aos sessenta e dois), a esperança fugaz foi ao ar. O Gaitán pegou na bola, foi por ali fora e acabou travado em falta à entrada da área. No livre, a bola sobrou para o Javi, que insistiu e soltou o Maxi na direita da área, tendo este cruzado para o remate de primeira, e de pé direito, do Gaitán, que levou a bola a tabelar no Polga (que para pouco mais parece servir hoje em dia do que para se arrastar em campo e servir de pino para a bola tabelar nele) e a entrar na baliza.

Fase quatro: Depressão - Foi evidente e imediata. Eles já não eram muitos no estádio (trinta e seis mil, contando com os benfiquistas), e muitos dos que lá estavam começaram a levantar-se e a sair. Os que ficavam mais pareciam fazê-lo porque não tinham sequer a energia ou iniciativa necessária para se levantarem, ficando com ar quedo e mudo a olhar desconsoladamente para o relvado. O silêncio só não era sepulcral porque os Benfiquistas, num acto de piedade, começaram a gritar pelo sportém. E pelo Liedson, pelo Moutinho, pelo Costinha, deu para tudo. No campo, o sportém continuava a não imaginar forma melhor de ultrapassar a bem estruturada equipa do Benfica do que continuar a enviar chutões para as costas da nossa defesa. Nesta fase já nem era preciso o Postiga invalidar as jogadas ficando acampado, porque eles encarregavam-se de chutar as bolas quase todas directamente para fora. E foi até o Benfica, primeiro pelo Cardozo, e depois pelo Jara (que o substituiu) a levar algum perigo à baliza adversária. O Soares Dias bem se esforçou, amarelou o Roberto por queima de tempo, deu seis minutos de compensação, mas já não servia de nada, e nesta fase isso era só prolongar o sofrimento dos jogadores do sportém dentro do campo, e dos poucos que ainda resistiam nas bancadas.

Fase cinco: Aceitação - O árbitro apitou, o jogo acabou, e a lagartagem lá foi para casa carregando nas costas o peso de mais uma derrota e a confirmação (mais uma) de que jogam e valem muito pouco. Para o ano é que é.

Nos último jogos tenho dito várias vezes que é difícil escolher um jogador para melhor, e que o mais importante é o desempenho da equipa. Este jogo não foge a essa regra. Gostei de todos, e poderia elogiá-los um a um. A segurança do Roberto, com mais uma enorme defesa decisiva ou a liderança do Luisão. A calma do Jardel, que entrou neste jogo e até pareceu que já andava por ali há uma data de anos. O rigor táctico do batalhador Javi García, que continua a ser para mim um dos jogadores mais importantes desta equipa. A classe que o Gaitán teima em demonstrar: tem um toque de bola fantástico, e mesmo se por vezes parece alhear-se do jogo, parece que insiste em aparecer sempre para os momentos decisivos: fez o cruzamento para o primeiro golo, e marcou o segundo - tendo já sido dele a jogada que acabou no livre de onde resultou o golo. Não engana: é craque mesmo, e tenho a certeza que ainda ira melhorar mais. Comparações com o seu antecessor correm sempre o risco de ser injustas, mas é interessante comparar o que está a ser a primeira época do Gaitán com aquilo que foi a primeira época do Di María. Não sei qual terá sido o discurso dos responsáveis da lagartagem após o jogo, mas acho que poderia ser semelhante ao do Manuel Machado a semana passada: infelizmente para eles, o Benfica tem jogadores de classe superior, que em pequenos detalhes podem resolver jogos. Nós temos Gaitán, Saviola, Salvio, Aimar, Cardozo, Coentrão, e tantos outros. Eles têm o Grimi. E o Maniche. E o Polga. E tantos, tantos outros.

Mais a sério: é sempre agradável vencer em casa do sportém, quanto mais não seja porque é divertido vê-los descer à terra (e normalmente amortecerem a queda com a cara) e perceberem que de 'grande' só lhes resta a ilusão. Mas a verdade é que isto foi um resultado perfeitamente normal. O Benfica cumpriu a sua obrigação, e venceu um jogo que se impunha vencer, contra uma equipa que lhe é claramente inferior (já na primeira volta, quando estávamos em bem pior forma do que agora, e até estávamos atrás deles na classificação, a diferença de valor entre as duas equipas tinha ficado bem clara), e que apenas conseguiu vencer três jogos em casa nesta Liga. Não foi um feito extraordinário, mas sim uma boa noite da nossa equipa, que encarou o jogo e o adversário de forma séria e profissional. Mais uma vez, soubemos reagir às adversidades e dificuldades que nos foram sendo postas pelo adversário e pelos factores extra, como por exemplo um adepto dos andrades apostado em facilitar ainda mais a vida ao seu clube.

Tal como o Jesus, eu também me recuso a atirar a toalha ao chão na Liga, ou a facilitar o que quer que seja. Podem roubar-nos o título, mas vão ter que ser obrigados a suar para o conseguirem. Vão ter que nos tentar roubar mais, e vão ter que suar para conquistar cada ponto, sabendo que nós nos recusamos a desistir. Tal como venho dizendo desde a noite negra do Ladrão, o objectivo é pensar jogo a jogo e ganhar já o próximo. E depois pensarmos em ganhar o que se lhe segue. No final faremos as contas.

3 Comments:

At 2/22/2011 1:07 da tarde, Anonymous Anónimo said...

"O Benfica cumpriu a sua obrigação, e venceu um jogo que se impunha vencer, contra uma equipa que lhe é claramente inferior "

É verdade, concordo.
Mas houve também demonstração de grande carácter da equipa. Isso para mim é um "asset" para quem veste a "camisola vermelha".

O Jardel fez um jogo de sofrimento. Merece o nosso inteiro respeito.

Só é pena termos um central com um cérebro do tamanho de um caroço de cereja. Em 4 minutos leva 2 amarelos, quase inquinava este jogo e ainda colocou em causa o jogo na Alemanha pelo desgaste físico que a equipa foi obrifgada a suportar.

Pena é que

 
At 2/22/2011 3:13 da tarde, Anonymous Anónimo said...

http://www.mentiradesportiva.com/artigos/320-marca-da-corrupcao-do-fc-porto.html


comentários ?

 
At 2/23/2011 8:01 da tarde, Blogger joão carlos said...

Mais uma analise de muito boa qualidade agora num estilo mais filosófico.


Anonymous o cérebro do Sidnei só parou depois do primeiro amarelo e o objectivo do primeiro amarelo foi mesmo esse pressiona-lo a cometer um erro para o expulsar, mas diga-se de passagem que o David Luiz também teve duas ou três destas paragens cerebrais.

 

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