domingo, maio 14, 2017

Tetra

É pouco importante escrever sobre um jogo quando o que mais importa, e aquilo que fica para a história, é a consequência do seu resultado: a conquista de um inédito tetracampeonato que tantas vezes já nos tinha escapado. Um pensamento que não me deixa a cabeça desde que esta conquista se tornou possível é o do quão privilegiados somos. O nosso Benfica tem 113 anos de uma história gloriosa e incomparável neste país, recheada de conquistas e feitos inigualáveis. Milhões de pessoas já passaram pelo nosso clube, já dedicaram todas as suas vidas a sofrer e a apoiá-lo, mas nós temos a sorte o privilégio de cá estarmos para viver este momento.

O Tetra não surge por acaso. É o resultado de um trabalho que começou há dezassete anos, quando foi necessário começar a reconstruir quase do zero toda a estrutura de um clube que tinha sido delapidada, negligenciada e mal gerida durante anos. E a partir do momento em que o nosso clube está organizado, as vitórias passam a ser quase uma consequência inevitável, porque a nossa dimensão é incomparável e nenhum dos nossos adversários mais directos pode sequer sonhar em se lhe comparar. E é isso que lhes dói mais. Porque mesmo que se juntem os dois numa união de facto, a dimensão e força dessa união continua a ser inferior à nossa. Neste momento a sensação (muito confortável, diga-se) que tenho é a de que a organização do futebol profissional do Benfica é o factor determinante nas conquistas do clube, e não estamos dependentes ou reféns de individualidades, sejam elas treinadores ou jogadores. Se de hoje para amanhã trocarmos de treinador, ou vendermos algum jogador importante, no dia seguinte continuarei a sentir a mesma confiança na capacidade para lutarmos por títulos (mas se quiserem assinar um contrato vitalício com o Fejsa, eu apoiarei entusiasticamente a decisão).

Quanto ao jogo do tetra propriamente dito, foi aquilo que todos sonhamos que seja. Resolver cedo, evitar qualquer tipo de preocupações, e depois passar a maior parte do jogo em clima de festa, contribuindo para ela com uma goleada. Apesar do grande respeito que tenho pela equipa do Vitória, a forma como os dominámos completamente esta época nos dois jogos que disputámos em casa deles, quando toda a gente antecipava complicações, dava-me confiança para este jogo. O Vitória foi fiel aos seus princípios de jogo e tentou jogar de igual para igual com o Benfica, voltando a pagar caro o atrevimento. Revelaram-se sobretudo particularmente vulneráveis pelo centro, e contra o Benfica isso é o pior que pode acontecer. A forma como o Benfica entrava pelo centro da defesa e construía ocasiões de golo cedo deixou antever uma goleada. O Cervi abriu as hostilidades logo aos onze minutos, na recarga a um remate do Jonas, e a partir daí foi só ir somando golos e desperdiçando outras tantas ocasiões para o fazer. Quatro minutos depois o segundo apareceu, com o Benfica finalmente a conseguir tirar partido do pontapé longo do Ederson. Num pontapé de baliza conseguiu colocar a bola no Jiménez, e o mexicano acabou por conseguir a dois tempos ultrapassar o guarda-redes e colocar a bola na baliza, a meias com um defesa. Deu para alguma irritação quando o Jonas, por duas vezes, entrou pelo meio e na cara do guarda-redes falhou dois golos cantados, parecendo que estava com vontade de recuperar o título de 'pior avançado do mundo' que em tempos teve. Mas depois combinou com o Pizzi (ainda e sempre pelo centro) para que este em frente ao guarda-redes não perdoasse e desse ainda mais tranquilidade. E à beira do intervalo, depois de mais uma recuperação de bola do Fejsa, o Jonas levou toda a gente para o descanso a cantar 'E o Benfica é campeão' ao fazer um chapéu perfeito ao guarda-redes para o quarto golo.

A segunda parte, apesar de ser jogada em ambiente de festa, foi de domínio completo do Benfica, de tal forma que foram construídas ocasiões flagrantes suficientes para que, somando-as à desperdiçadas na primeira parte, o resultado final pudesse ter sido o dobro daquele que se registou. Assim de repente lembro-me de um remate do Jiménez ao poste, de um chapéu do Pizzi salvo sobre a linha ou de uma defesa incrível do guarda-redes a mais um remate do Jonas que parecia ter o selo de golo. Isto para não falar em diversas outras ocasiões em que o Benfica conseguia sair rápido para o ataque, entrava pelas alas e colocava três ou quatro homens em posição perigosa, para depois o último passe sair um pouco torto ou ser interceptado no limite por um defesa. Somámos apenas mais um golo ao resultado, um penálti marcado pelo Jonas depois do Cervi ter sido derrubado na área, e parece-me que uma vitória por cinco golos sem resposta acompanhada de uma tamanha demonstração de superioridade face à equipa em melhor forma do campeonato, que seguia com sete vitórias consecutivas, é uma forma perfeita de selar um conquista tão histórica para o nosso clube.

Não houve quem jogasse mal hoje, todos os jogadores estão de parabéns e podia elogiá-los um por um. Escolho mencionar três ou quatro, mas podia escolher outros quaisquer. Um é o Fejsa, simplesmente imperial. O primeiro e quarto golos resultam directamente de recuperações de bola dele, no caso do primeiro à entrada da área adversária. Esteve em todo lado, dobrou toda a gente e dominou por completo o meio campo, em boa companhia do Pizzi, que mais uma vez pareceu ter encontrado mais uma réstia de energia para encher o campo, isto quando é o jogador do plantel com mais minutos nas pernas. Confesso que fiquei com pena que o Fejsa não tivesse sido chamado a converter o penálti, porque merecia marcar um golo não só neste jogo, mas no campeonato.  Em face de tudo o que tenho escrito sobre o Salvio nestes últimos meses, é merecido que o destaque hoje. Não tenho dúvidas nenhumas em afirmar que o Salvio fez hoje o melhor jogo da época. Foi absolutamente diabólico e finalmente voltámos a ver o Salvio que conhecemos. Não sei se o banco lhe fez bem e a assistência em Vila do Conde lhe restauraram a confiança, o que interessa é que jogue sempre assim. Uma última menção para o Cervi. Encanta-me. A capacidade técnica aliada ao espírito lutador que tem, não dando uma bola por perdida, é algo raro de se encontrar. Deverá tornar-se uma das grandes figuras da equipa nas épocas que se seguem.

Somos Tetracampeões, vamos festejar esta conquista inédita e depois começar a preparar o próximo jogo e a final da taça, porque a época ainda não terminou e a nossa sede de conquistas não desapareceu. A ambição de fazer sempre mais e melhor é o que nos move.

1 Comments:

At 5/14/2017 6:58 da tarde, Blogger joão carlos said...

A analise esta com a qualidade que nos tens habituado.


O que vai ficar para a história para alem do resultado, que é o que sempre fica, é o momento histórico de um objectivo à tanto tempo perseguido e por tantos e que finalmente conseguimos atingir mas este é um jogo por si que merece que se fale dele porque a maneira como jogamos e pelo futebol produzido fez jus ao momento histórico que o seu resultado permitiu alcançar.
Todos os últimos jogos que em idênticas situações tivemos oportunidade de, jogando em casa, finalizar com chave de ouro o campeonato foram jogos em que a equipa entrou sempre nervosa, ansiosa e precipitada, independentemente de depois o resultado no final ser mais ou menos apertado, desta vez a equipa entrou em campo precisamente com o inverso destas emoções decidida, personalizada, calma e determinada como se tivesse a certeza que tinha um encontro com a historia como acabou por no fim acontecer.
Num jogo em que marcamos tantos e acabamos por fazer o resultado mais volumoso nesta competição e ainda assim impressionante o número de oportunidades desperdiçadas, algumas foram mais falhadas que desperdiçadas, sendo que varias até foram de forma escandalosa e num jogo em que a equipa teve sempre níveis de empenho muito altos até quase ao fim estes desperdício só podem ter sido por excesso de confiança.

 

Enviar um comentário

<< Home