Anti-futebol
Em Portugal, é normal ouvirmos os media ligados ao desporto queixarem-se frequentemente da falta de qualidade do nosso futebol, utilizando expressões do género 'lá fora é que é', sendo a Premiership inglesa utilizada várias vezes como termo de comparação. A verdade é que tudo em Portugal contribui para a má qualidade do nosso campeonato, a começar pelos próprios media que tanto criticam. É a imprensa, a televisão, as rádios, os jogadores, os treinadores, os dirigentes, os árbitros e, finalmente, o próprio público. Tudo acaba por trabalhar de forma concertada para fomentar o anti-futebol que vemos todos os fins-de-semana nos nossos campos.
Começando pelos media. Como é que eles fomentam o anti-futebol? Qualquer adepto de um dos três grandes sabe, ainda antes do apito inicial do árbitro, qual é a forma mais provável que um jogo que envolve a sua equipa contra outro clube que não um dos grandes decorra (e às vezes até mesmo num jogo em que os 'grandes' se defrontam entre si). Vamos assistir, desde o início do jogo, a uma equipa praticamente a abdicar de lutar pela vitória, e apenas dedicada a conservar o nulo enquanto puder. São 10 jogadores acantonados quase dentro da sua área, bolas para a bancada, lesões fingidas pelos jogadores desde o primeiro minuto que são magicamente curadas assim que se deitam numa maca, e fazem uma curta viagem até à linha lateral, enfim, anti-jogo sempre que possível. Aliás, pensando bem, este tipo de comportamento é, no nosso campeonato, assumido por praticamente qualquer equipa que jogue fora, mesmo sem ser contra os grandes. Acontece que por vezes, por azar ou inépcia, a equipa que está a tentar furar estes esquemas ultra-defensivos não o consegue fazer (por exemplo, atira três bolas aos ferros, ou o guarda-redes faz um punhado de defesas impossíveis). Entretanto a equipa que não está a tentar vencer acaba por marcar um golo num contra-ataque, ou numa daquelas típicas jogadas de um livre a meio-campo despejado para dentro da área, numa das raras ocasiões em que há uma maioria de jogadores da equipa que joga para o empate dentro do meio-campo adversário.
O que é que acontece a seguir? A equipa que passou o jogo todo a tentar ganhá-lo (e, efectivamente, a tentar jogar futebol, ao contrário da equipa que passou o tempo todo a tentar impedir que a outra jogue, ou seja, a fazer anti-futebol) é normalmente arrasada pela crítica desportiva. Pelo contrário, a equipa que tentou não perder, e acabou por ganhar quase sem saber como, é elevada aos píncaros. Durante o resto da semana temos entrevistas aos 'heróis', nos quais se incluem os jogadores que passaram o tempo a fazer anti-jogo, e o treinador que desenhou a táctica anti-futebol. Obviamente que estas pessoas são humanas, e como tal apreciam a atenção dispensada. O que só os motiva (a eles e aos outros) a fazer exactamente o mesmo da próxima vez. Se compararmos com o que acontece em Inglaterra, que é tantas vezes citada como exemplo, uma equipa que assuma este tipo de postura num jogo é quase selvaticamente atacada pelos media. O próprio Mourinho, que teve que recorrer a um futebol de maior contenção no início da temporada devido às diversas lesões em jogadores de ataque do Chelsea, foi bastante criticado por isso.
O parágrafo anterior também explica por que razão considero os treinadores e jogadores culpados pelo mau futebol que temos no nosso campeonato. Os treinadores porque, na sua maioria, revelam esta extrema falta de ambição e agressividade. Os jogadores, em particular, são preguiçosos. Se sentem uma pequena carga, preferem deixar-se cair a aguentarem e disputarem o lance. E aqui entra o próprio público, que à mínima queda de um jogador da casa desata a barafustar à espera da respectiva falta, tenha ela realmente acontecido ou não. Como resultado disto, os árbitros (que em Portugal, regra geral, têm falta de personalidade) acabam por apitar a quase tudo. E depois temos que ouvir os teóricos a dissertarem sobre o facto de termos 15 faltas por jogo em Inglaterra, e 40 ou 50 em Portugal.
Os dirigentes, obviamente, não escapam à mediocridade. Falo quer dos dirigentes dos clubes, quer dos federativos/liga. As próprias regras do campeonato fomentam o anti-futebol. Em Portugal, um jogador é suspenso por um jogo ao fim de 5 cartões amarelos. Cumprido o castigo, o jogador pode voltar a ver mais 5 cartões amarelos, e é novamente suspenso por mais um jogo. Isto quer dizer que, em teoria, um jogador poderia conseguir o feito de ver 29 cartões amarelos num campeonato, resultando numa suspensão total de 5 jogos (que até poderiam ser cumpridos na Taça). Mais uma vez, recorrendo ao exemplo inglês, os castigos vão-se acumulando. Depois de uma suspensão por acumulação de amarelos, a segunda série normalmente acarreta uma suspensão mais pesada, e muitas vezes um jogador que veja demasiados cartões é chamado a depor diante de uma comissão de disciplina. Por cá, devido à leveza das suspensões, os cartões são mostrados com uma enorme leviandade (muitas vezes são mostrados a pedido do público), e a sensação que tenho é que os jogadores nem os levam muito a sério.
Aliás, se os cartões e disciplina forem levados a sério, temos os dirigentes dos clubes a darem espectáculo e a pedirem despenalizações a torto e a direito. Em Inglaterra, há umas semanas, o Wayne Rooney teve uma atitude anti-desportiva para com um adversário que não foi vista pelo árbitro (pôs-lhe a mão na cara e empurrou-o). A comissão de disciplina visionou as imagens e suspendeu-o por 3 jogos. Não vi qualquer pedido de despenalização por parte do Man Utd (embora Ferguson achasse a punição injusta). Foi o próprio jogador que, perante a comissão disciplinar, aceitou a acusação de conduta violenta. Ele apanhou portanto três jogos de suspensão apenas pela atitude, e não pela agressão, que aparentemente nem sequer existiu. Quanto ao jogador adversário envolvido no lance, foi também acusado pela FA de conduta imprópria, vai ter que responder perante a mesma comissão de disciplina, e arrisca-se a ser suspenso também. O próprio treinador do Bolton, Sam Allardyce, admitiu que a atitude do seu jogador não tinha sido a mais correcta. Ou seja, as simulações também são punidas e condenadas por lá. Creio que a diferença para o que se passa por cá é por demais evidente.
Em Portugal, um cartão vermelho por uma agressão a murro a um adversário normalmente dá direito a um jogo de suspensão (enerva-me sempre o facto de um vermelho por acumulação de amarelos dar direito a uma suspensão equivalente à de um vermelho por agressão, ou de um vermelho por um corte de uma jogada perigosa com a mão - são situações distintas, e não podem ter penalizações equivalentes). Se forem dois, então já começa o brado de indignação. Temos o exemplo do McCarthy no nosso campeonato, que já é reincidente em agressões, e que quando apanha dois jogos de suspensão por (mais) uma tem os dirigentes do seu clube a darem cobertura às suas acções anti-desportivas (e quem diz os dirigentes do FCP, diz também os dirigentes do SLB, ou de outro clube - todos eles se comportam assim). Quando na sequência do recurso o castigo é agravado para 3 jogos, o país futebolístico agita-se de indignação. Alguém consegue imaginar o que sucederia a este jogador no campeonato inglês se tivesse este tipo de comportamento?
A verdade é que, comparando o nosso futebol com o inglês, as atitudes são diferentes em tudo: jogadores, treinadores, árbitros, público, dirigentes, media. É por isso que eles têm um grande campeonato, e nós uma cura para a insónia.
4 Comments:
Já me começo a habituar a ler textos excelentes sempre que por cá passo. Mais uma vez, os meus parabéns.
Não tenho a certeza absoluta disto, mas julgo que quem analisa o recurso não são as mesmas pessoas responsáveis pelo castigo inicial (até porque não teria muita lógica recorrer para as mesmas pessoas). Isso talvez possa explicar a diferença de punições.
Quanto ao facto de serem jogadores do FCP os alvos destes processos, a verdade é que temos assistido a uma estranha apetência de jogadores do FCP para este tipo de lances extra-desportivos. E, por exemplo, agora também foram alvos dos mesmos processos um jogador do Braga e outro do Guimarães. No que diz respeito ao Benfica, não me recordo de algum lance em que tenha havido uma atitude semelhante de um dos nossos jogadores, mas se houver, acho bem que seja punido exemplarmente. Eu não gosto de ver este tipo de atitudes no futebol, e se as punições começarem a ser dadas, pode ser que os jogadores parem com isto.
Quanto ao Nuno Assis, não sei se o que se diz é verdade. Mas se é, na verdade é mesmo muito estranho, e apenas se justifica se os russos vierem a tirar partido disto no futuro, ou seja, tenham preferência na compra de algum jogador do Benfica.
Parabéns.Mais um excelente artigo. Muito Bem.
Os meus Parabéns. Continue.
Socio do SLB nº. 7495
Parabéns.Mais um excelente artigo. Muito Bem.
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