quinta-feira, março 18, 2010

Sublime

Quase nem há palavras para descrever este jogo. Já vi muitos jogos europeus do Benfica, mas não tenho grandes dúvidas em afirmar que, daqueles que eu vi, este estará sem dúvida entre os melhores que fizemos. Contra uma equipa com o dobro do nosso orçamento (só o que pagaram pelo Lucho foi tanto quanto o que custaram todos os nossos reforços), contra uma arbitragem indescritivelmente caseira, que nos sonegou dois possíveis penáltis, carregou de amarelos e, em caso de dúvida, decidia sempre a favor do Marselha, contra um resultado desfavorável na primeira mão, contra um golo sofrido completamente contra a corrente do jogo a vinte minutos do final, contra tudo isto qual foi a nossa resposta? Dominar o jogo do primeiro ao último segundo, transpirar classe em cada pormenor, dar a volta ao resultado e passar aos quartos, tudo isto coroado com o sublime pormenor de marcarmos o golo decisivo já depois do minuto noventa. Foi uma noite perfeita.

Jogámos de início com o onze esperado, que apresentava o Carlos Martins na posição do Aimar. Para além disso o Rúben Amorim, que era até apontado ao onze titular, nem sequer no banco se sentou. Não sei se terá tido algum problema físico de última hora que o impediu de participar neste jogo. Mas hoje acho que nem sequer foi importante quem entrou em campo. Porque cada um dos jogadores que vestiu a nossa camisola e sentiu a águia ao peito foi um gigante. E viu-se, desde o primeiro minuto, quem é que estava ali para vencer. O Benfica tomou conta das operações desde o apito final, e o Marselha foi uma sombra daquilo que se viu a semana passada na Luz. Muito menos agressivos nas marcações, incapazes de travar as movimentações dos nossos jogadores e matar o nosso jogo logo no meio campo (que diferença nas liberdades que foram concedidas a jogadores como o Ramires ou o Maxi Pereira na direita, com o lateral esquerdo Taiwo a ter que se haver sistematicamente com ambos sem grande ajuda de qualquer outro colega), depressa se começaram a ver os buracos a abrir na defesa francesa. E era fácil adivinhar que o Benfica, mais cedo ou mais tarde, acabaria por chegar ao golo. Já o Marselha, no ataque, era praticamente inofensivo.

E não fosse termos encontrado um Jorge Sousa qualquer vindo da Eslovénia, até poderíamos ter ficado na frente do marcador ainda na primeira parte. Se ainda consigo dar-lhe algum benefício de dúvida num lance em que um defesa do Marselha toca a bola com a mão dentro da área, já noutro, em que o Ramires é ostensivamente empurrado pelas costas, não (até porque na segunda parte, num lance semelhante entre o Aimar e um defesa francês que deixaria o Aimar isolado, não teve quaisquer dúvidas em marcar falta contra nós). Mas nem o caseirismo da arbitragem nos abalou esta noite. A resposta ao penálti não assinalado foi um remate do Cardozo ao poste. A pressão continuou, e o jogo teimava em não deixar de se disputar quase sempre dentro do meio campo do Marselha. Infelizmente para nós, o Di María não estava em noite inspirada na altura da finalização, porque conseguiu surgir solto pela esquerda em mais de uma ocasião, mas desperdiçou todas as oportunidades que teve. E só mesmo à beirinha do intervalo, já em período de descontos, o Marselha deu um ar da sua graça, criando a sua melhor ocasião de golo num remate do Lucho à entrada da área, que passou perto do poste da nossa baliza.

Ao intervalo, como acontece muitas vezes em situações destas, temi algum possível desânimo da nossa equipa por não ter conseguido traduzir a sua superioridade em golos, mas estava redondamente enganado. A segunda parte mostrou um Benfica ainda mais decidido na procura do golo. A arbitragem também continuou no mesmo nível da primeira parte, recusando-se a assinalar qualquer falta a nosso favor nas imediações da área do Marselha, por mais flagrante que a infracção fosse. E, para seguir nas continuações da primeira parte, o Benfica continuava a adiar o merecido golo muito por culpa própria, desperdiçando oportunidades flagrantes. Desta vez a mais incrível esteve nos pés do Saviola, que após um cruzamento do Coentrão na esquerda, pressionado por um defesa não conseguiu tocar a bola para a baliza deserta, deixando-a passar entre as pernas. Num período de três ou quatro minutos, o Benfica levou-me ao desespero: foi a referida oportunidade do Saviola, depois, na sequência de um canto, uma enorme confusão na área, novamente com o Saviola envolvido e também com o Cardozo, e ninguém a conseguir rematar para o golo; e finalmente, mais uma vez após um canto, o Luisão recebe um passe à entrada da área que o deixa completamente isolado, mas rematou para a bancada. E depois aconteceu aquilo que tantas vezes acontece no futebol: uma equipa a dominar, a desperdiçar oportunidades, e a outra de repente marca contra a corrente do jogo. Foi numa bola colocada nas costas da nossa defesa, em que fiquei com a sensação que o Júlio César hesitou na saída, e depois já não conseguiu interceptar o cruzamento atrasado para o golo do Niang. Faltavam vinte minutos para o final do jogo, e o Benfica estava ainda mais fora da Euroliga (para mim este é agora o nome oficial da competição).

A resposta do Benfica? Foi como se o golo nem tivesse acontecido. Se calhar noutros tempos não muito distantes, este golo sofrido teria feito a equipa baixar os braços, mas o nosso Benfica hoje é mentalmente forte. Por isso a pressão continuou, e foi recompensada cinco minutos depois. Um remate rasteiro do Maxi a uns vinte e cinco metros da baliza, aproveitando um alívio de bola para a frente da área, desviou ligeiramente num jogador do Marselha e fez a bola entrar junto ao poste esquerdo. Estava tudo igual, e pairava agora o espectro do prolongamento, que obviamente não seria desejável tendo em conta o jogo que temos no Domingo. Logo a seguir ao golo, mais uma grande oportunidade para o Di María, outra vez solto na esquerda, mas ele rematou ao lado. O Jorge Jesus fez então entrar o Aimar para jogar nas costas do Cardozo, substituindo o Saviola. E El Mago veio trazer um pouco mais de ordem ao nosso jogo, tendo-se começado a ver aquelas jogadas de tabelas ao primeiro toque a que ele nos habituou. O Marselha continuava praticamente a ver jogar (teve apenas uma ocasião de algum perigo, num livre muito perto da área - mais uma vez, o árbitro conseguiu considerar mão do Maxi no lance, mas na primeira parte a mão do Taiwo dentro da área já não foi considerada penálti), e o Benfica continuava a desperdiçar. Di María, para não variar, solto na esquerda chutou ao lado. A dois minutos do final o Cardozo aproveitou uma asneira de um defesa e, isolado, rematou ao lado e por alto. E finalmente, já depois do minuto noventa, a mais que merecida recompensa. Livre na esquerda apontado pelo Aimar, a bola sobrou para o Alan Kardec na direita (tinha entrado há cinco minutos) e este, com um remate cruzado indefensável, sentenciou a eliminatória (cá se fazem, cá se pagam: na Luz marcaram aos noventa, agora receberam o troco). Até final, tempo apenas para o herói marselhês da primeira mão, Ben Arfa, entrar em campo e ser expulso um minuto depois, por agressão ao Kardec.

Os jogadores foram excelentes esta noite, porque fomos mais uma vez, como tantas vezes tem acontecido esta época, uma verdadeira equipa. Menciono alguns jogadores como poderia mencionar quaisquer outros. Começo por falar do grande jogo que o Ramires fez, por oposição ao jogo menos conseguido na primeira mão. Foi tacticamente perfeito, e vimo-lo recuperar bolas atrás de bolas, fazer dobras aos colegas na defesa, ajudar o Javi e ainda apoiar o ataque. O Maxi também esteve muito bem e foi decisivo na eliminatória, com dois golos marcados. Só lhe faltou mais inspiração nos cruzamentos, já que por diversas vezes conseguiu ganhar a linha de fundo e depois não deu seguimento às boas iniciativas com cruzamentos à altura. Os nossos centrais foram simplesmente imperiais, com o David Luiz a mostrar mais uma vez a razão pela qual tem meia Europa atrás dele (teve apenas uma falha durante todo o jogo, num lance em que terá havido algum excesso de confiança, mas foi imediatamente dobrado pelo inevitável Ramires). Javi García o pêndulo do costume, e para a noite ser perfeita só faltou maior inspiração aos homens da frente na altura de finalizar (mas se isso acontecesse teríamos saído de Marselha com uma goleada histórica).

Para mim, a palavra chave desta noite é 'orgulho'. Ganhámos o jogo e a eliminatória, mas mesmo que tal não tivesse acontecido, o orgulho permaneceria sempre. Porque a sensação que tenho ao ver o nosso Benfica jogar e bater-se da forma que se bateu hoje é indescritível. Com quase tudo contra nós, entrámos em campo a mandar no jogo e a jogar para ganhar. E foi isso a principal coisa que esta equipa nos devolveu. O Orgulho de ver o Benfica hoje em dia entrar em qualquer campo a jogar para ganhar. O Orgulho de ver um Benfica à Benfica.

4 Comments:

At 3/18/2010 11:19 da tarde, Blogger BoyGenius said...

Sem dúvida um jogo de um Benfica à Benfica!!

Para juntar a jogos com o Arsenal e Leverkusen!

 
At 3/19/2010 1:36 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Mérito.

Foi com todo o mérito e grande querer que a vitória de hoje foi atingida.

Confesso, que estava céptico.
O que vi na 1ª mão não deixava fortes esperanças.
Mas forte também foi a abordagem a este jogo, pois estar nas fases finais desta competição é importantíssimo para a reconstrução do nome Benfica na Europa, arredados que estamos dessas disputas à quase duas décadas.

Aspecto referido pelo D´Arcy, mas importa sublinhar; a capacidade mental dos jogadores do Benfica perante as adversidades e perante um arbitro super habilidoso prejudicando.

Os aspectos menos bons:

-Cardoso, pelo 3º jogo consecutivo, falha um golo na cara do GR adversário
- Saviola esteve abaixo da sua média
- Quantos golos falhou Di Maria ?
- Como acontece à vários jogos, deixámos de criar qualquer perigo nas bolas paradas.
- o elevado número de cartões amarelos que vai, concerteza, ter impacto mais à frente.

Agora que não venha o Hamburgo.

 
At 3/19/2010 1:36 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Mérito.

Foi com todo o mérito e grande querer que a vitória de hoje foi atingida.

Confesso, que estava céptico.
O que vi na 1ª mão não deixava fortes esperanças.
Mas forte também foi a abordagem a este jogo, pois estar nas fases finais desta competição é importantíssimo para a reconstrução do nome Benfica na Europa, arredados que estamos dessas disputas à quase duas décadas.

Aspecto referido pelo D´Arcy, mas importa sublinhar; a capacidade mental dos jogadores do Benfica perante as adversidades e perante um arbitro super habilidoso prejudicando.

Os aspectos menos bons:

-Cardoso, pelo 3º jogo consecutivo, falha um golo na cara do GR adversário
- Saviola esteve abaixo da sua média
- Quantos golos falhou Di Maria ?
- Como acontece à vários jogos, deixámos de criar qualquer perigo nas bolas paradas.
- o elevado número de cartões amarelos que vai, concerteza, ter impacto mais à frente.

Agora que não venha o Hamburgo.

 
At 3/20/2010 7:12 da tarde, Blogger joão carlos said...

Mais uma crónica primorosa.

Apenas uma nota o Fábio Coentrão devia ter merecido um destaque, neste jogo pela primeira vez ele foi um defesa esquerdo e não apenas um jogador que até faz bem a posição, a quantidade de bolas que ele recuperou e a pressão que fez foi de grande qualidade, alias ele só teve um erro quando escorregou e fez falta que depois viria a dar o golo.

Anonymous para aquilo que referes sobre o Cardozo e sobre o Saviola não é nada alheio serem os jogadores com mais jogos nas pernas, coisa que mais se tem acentuado nos últimos jogos, e enquanto nas laterais e no meio campo tem havido rotatividade, no ataque essa rotatividade não tem acontecido.
Quanto ao Di Maria, pese embora as melhorias, o número de oportunidades que ele precisa para marcar um golo são ainda grandes.

 

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