Há jogos em relação aos quais se tem à partida um mau pressentimento. E quando, após ver os primeiros minutos de jogo, esse mau pressentimento se reforça, cedo se percebe que vai ser muito difícil ganhá-lo. Após quinze minutos de jogo já eu estava a enviar mensagens a outros Tertulianos avisando-os que, na minha opinião, isto hoje correria mal. E nem sequer era necessário ter-se grandes dotes premonitórios para se prever isto tão cedo. Bastava observar o jogo durante uns momentos, e ver um Benfica tão transfigurado para pior, para sabermos que a probabilidade de aquilo acabar mal era alta. A nossa forma de jogar durante a primeira parte, aliás, conseguiu irritar-me tanto que ainda não tínhamos chegado aos dez minutos e já eu estava aos berros para a TV (é perfeitamente irracional e a TV não tem culpa nenhuma, mas o estado de nervos falou mais alto - como os berros não surtiram efeito, cortei o som para não continuar a ouvir o Rui Santos e o Nuno Luz a disparatarem ao desafio, tendo hoje reforçado a minha convicção de que um é perfeitamente parvo, e o outro é um caso clínico). Quem foram aqueles tipos que entraram no relvado para a primeira parte, e o que é que eles fizeram ao Benfica 2009/10?
A equipa com que alinhámos foi a titular. É certo que houve a troca do Quim pelo Júlio César na baliza, mas de tão esperada que ela era nem sequer se pode considerar uma surpresa. Surpresa foi, isso sim, a forma como encarámos o jogo. Estivemos irreconhecíveis nesta primeira parte. A jogar praticamente a passo, a tão importante pressão sobre os adversários logo no seu meio campo praticamente não se viu, e depois aquele pormenor extremamente irritante, que já conhecemos de anos anteriores, de vermos um jogador nosso com a bola e os colegas praticamente parados a olharem para ele, em vez de terem as habituais movimentações para criarmos desequilíbrios e linhas de passe. E por falar em passe, estivemos muito mal nesse capítulo durante esta primeira parte, já que foram inúmeros os maus passes efectuados. Dava ideia de que estávamos convencidos que, mais cedo ou mais tarde, o golo apareceria, tamanha era a nossa superioridade (no papel) sobre o AEK. Não sei de onde terá vindo esta espécie de sobranceria, coisa que, até hoje, ainda não tinha visto esta época. Perante um Benfica tão pachorrento, após alguns minutos o AEK terá ficado convencido que afinal não tinha nenhum papão pela frente, e até começou a a ensaiar alguns ataques perigosos para a nossa baliza. Durante a primeira parte, apenas por duas vezes o Benfica esteve perto de marcar, e ambas pelo Di María (que, apesar da falta de inspiração, ainda assim foi dos mais inconformados neste período), que rematou uma bola ao poste, e noutra jogada conseguiu ultrapassar o guarda-redes adversário, mas perdeu ângulo de remate. Para piorar as coisas, o AEK chegou ao golo perto do intervalo, quando num canto o Majstorovic subiu mais alto do que os nossos centrais e cabeceou sem hipóteses de defesa. Apenas mais um capítulo do cenário típico do futebol de deixar o adversário respirar e ganhar confiança (e neste caso, vantagem também), e depois ter-se que andar a correr atrás do resultado.
A equipa veio com outra atitude para a segunda parte, é verdade. A inspiração é que continuou a não ser por aí além, mas a simples mudança de atitude foi suficiente para criarmos ocasiões de golo suficientes para darmos a volta ao resultado, e sairmos de Atenas com uma vitória. Mas do outro lado surgiu um guarda-redes inspirado que defendeu muito bem os remates do Di María e do Saviola, e que ainda viu o Coentrão isolado conseguir acertar-lhe com a bola. Estas oportunidades foram criadas durante o nosso melhor período no jogo, que foi a primeira metade da segunda parte. Depois começou a vir ao de cima a ansiedade, e a saída do Aimar para a entrada do Nuno Gomes também não ajudou muito o nosso futebol. Passámos a jogar praticamente com uma linha de quatro avançados, mas à medida que o jogo caminhava para o final já não havia discernimento para fazer as coisas com calma, e em vez disso vimos quase toda a gente a tentar fazer as coisas sozinho, e então nos minutos finais chegámos mesmo ao ponto de tentarmos o chuveirinho para a frente. Mas já tínhamos entregue o ouro ao bandido na primeira parte, e depois foi difícil corrigir isto.
Não quero estar a criticar jogadores individualmente após um dia menos inspirado de toda a equipa, e numa altura em que, apesar de ter esperado um pouco para me acalmar antes de escrever, continuo irritado com o jogo, pois ainda me arriscaria a fazer críticas injustamente ríspidas. As coisas hoje correram mal. Fiquei desiludido por ver jogadores apresentarem-se a um nível muito inferior ao que sabemos ser o seu, mas a desinspiração foi geral, e ser-me-ia até difícil conseguir identificar quem foram os piores ou quem foram os menos maus.
Acima de tudo, espero que saibamos aprender com os nossos erros. Se hoje perdemos com uma equipa que nos é manifestamente inferior, e que apenas parece possuir dois jogadores acima da média (o sueco Majstorovic e o guarda-redes argentino Saja), isso aconteceu acima de tudo por nossa própria culpa. Não podemos entrar para um jogo, por mais favoritos que sejamos, com a atitude que tivemos na primeira parte. Tenho a certeza que haverá quem fará ver isso aos jogadores, para que tal situação não se volte a repetir, até porque na próxima segunda-feira temos mais um jogo que se encaixa neste cenário. E eu espero, nessa altura, voltar a ver o Benfica que esta época nos tem encantado.
P.S.- E só para esclarecer: eu não alinho, nem nunca alinhei, com profetas da desgraça, ou pessoas que ficam pacientemente à espera de uma derrota para criticarem alarvemente tudo e todos, e colocarem tudo em causa. A minha fé no Benfica mantém-se inabalável. Hoje o jogo correu mal. Acontece. É difícil ganhar sempre, a não ser que se tenha no clube uma secção de aconselhamento matrimonial a árbitros e seus familiares. Quando jogamos mal, não nego as evidências, e digo que jogámos mal, sempre na esperança que os erros sejam corrigidos, e que levantemos a cabeça para ganharmos já o jogo que se segue. Que ninguém pense que uma crítica pontual e objectiva significa um alinhar com posições carpideiras que sempre desprezei.